Operadores Marítimos
- Hapag Lloyd vs. ONE vs. Evergreen
Publicado no Jornal Transportes & Negócios (18.06.2024)
Hapag Lloyd
Em 2008, o Grupo TUI (proprietário da
Hapag Lloyd) decide concentrar-se no seu “core business” (o turismo) colocando
à venda a Hapag Lloyd.
Tratou-se, no entanto, de um processo
de venda atribulado. Depois do anúncio público, a 3 de Março de 2008, da venda
da Hapag Lloyd ao Consórcio Alemão “Albert Ballin”, assistimos a uma
renegociação dos termos da aquisição, devido a dificuldades no acesso ao
crédito, por parte do consórcio Alemão associadas à falência do Bank of
Scotland. O consórcio “Albert Ballin” compreende a municipalidade de Hamburgo,
o operador logístico Kühne Holding AG, o banco de investimento M.M. Warburg e
as seguradoras Iduna e Hanse Merkur.
Apesar de manter a sua orientação
estratégica de se recentrar no negócio do Turismo, o Grupo TUI aceitou voltar a
adquirir 43% da Hapag Lloyd, mantendo-se na prática como o maior acionista da
referida empresa. O consórcio Albert Ballin assumiria a posse de 56,57% do
capital da empresa. Aspetos de natureza
estratégica e política, nomeadamente a defesa do interesse nacional do Estado
Alemão, determinaram esta opção estratégica.
A própria designação do consórcio apela
aos sentimentos nacionalistas alemães. Albert Ballin (1857-1918) foi o
Presidente da Hamburg America Line (maior armador mundial de navios a vapor
durante o período da I Guerra Mundial). Alemão, de origem judia, suicidou-se
dois dias antes da assinatura do armistício que colocou fim a I Guerra Mundial,
temendo que os seus navios fossem entregues ao Aliados, o que aliás veio a
suceder.
A Câmara de Hamburgo investiu 485
milhões de euros na aquisição da Hapag Lloyd. Tornou-se no segundo maior
acionista da Hapag Lloyd, pelo que este negócio se tornou conhecido pela
designação “Hamburg Solution”.
Na nota explicativa da sua intervenção
neste negócio, as Autoridades Camarárias enfatizaram a importância económica e
social do porto de Hamburgo, enquanto maior empregador da cidade. Mais,
consideraram o porto de Hamburgo como o vetor determinante do desenvolvimento
socioeconómico da região.
Mais tarde, em 2014, depois de rumores
de um processo de fusão com a Hamburg Sûd que não se vieram a concretizar, a
Hapag Lloyd assinou um Memorandum de Entendimento para se fundir com a CSAV -
Compañía Sud Americana de Vapores (CSAV).
A sede da companhia permaneceu em
Hamburgo, sendo aberta uma representação regional no Chile para toda a América
Latina (“core business” da CSAV). Tratou-se de uma operação financeira assente
na troca de participações. A CSAV inicialmente passou a ser detentora de uma
participação de 30% na Holding, em conjunto com a HGV (empresa Municipal de
Hamburgo) e a Kuhne Maritime. O Grupo TUI afastou-se definitivamente do negócio
da carga contentorizada.
Sendo duas empresas fortemente
descapitalizadas, a fusão em 2017 com a UASC - United Arab Shipping Co., foi
determinante para a solvabilidade da Hapag Lloyd. Lembramos que em 2014, a “Gas Rich Qatar” -
Fundo Soberano do Estado do Qatar, tinha assumido a propriedade de 51,3% da
UASC. Refira-se que o Qatar é o maior produtor e exportador mundial de LNG.
A entrada da “Gas Rich Qatar” neste
mercado é aparentemente estratégica. Este Fundo Soberano pretende mostrar que é
viável a utilização do LNG como fonte de alimentação principal dos navios. Num
momento em que esta temática está em discussão no sector, com a possível
mudança no paradigma energético, a “Gas Rich Qatar”, posiciona-se
estrategicamente para influenciar este processo de decisão.
Aparentemente, já foi o Qatar que
esteve por detrás do programa de expansão e renovação da frota da UASC. Este
programa incluiu a aquisição de 6 navios de 18.000 TEU e 11 navios de 14.000
TEU. Uma particularidade, estes navios são “Dual-Fuel” ou “LNG – Ready”, ou
seja, podem em qualquer momento alterar a alimentação da máquina principal para
LNG. Este pormenor é elucidativo da participação do Qatar neste processo de
expansão de frota da UASC.
Em 2021, mantendo a sua dinâmica de
crescimento, a Hapag Lloyd concluiu o processo de aquisição da NDS – NileDutch,
forte nos tráfegos com África. À semelhança da fusão com a CSAV, enquanto
operador essencialmente vocacionado para os tráfegos E/W, a Hapag-Lloyd tem
procurado sedimentar a sua vertente N/S através de processos de
consolidação.
Para a Hapag-Lloyd, assumindo que a
dimensão é cada vez mais um fator crítico de sucesso no mercado do transporte
marítimo de carga contentorizada, o seu posicionamento competitivo é
seguramente mais sustentável após o processo de fusão. No entanto, a liquidez
associada à fusão com a UASC (Catar), ainda não se traduziu num ambicioso plano
de encomendas em estaleiro. No dia 1 de janeiro de 2024, tem apenas 12 navios
em encomenda, representando 252.000 TEU (o mais baixo nível de encomendas entre
os principais operadores marítimos de carga contentorizada). Seis desses
navios, são navios de 23.500 TEU - “LNG – Ready”.
Tabela 1 - 20 Maiores Operadores Marítimos de Carga Contentorizada
(1
de janeiro de 2024)
Fonte: Adaptado pelo autor com base nos dados da BRS ALPHALINER, Fleet Statistics
(1 de janeiro de 2024)
ONE - Ocean Network
Express
A ONE é um operador marítimo asiático,
resultante de uma “Joint-Venture” entre os 3 maiores operadores Japoneses,
nomeadamente a MOL, a NYK e a Kline.
As sinergias entre estes operadores são
evidentes e traduziu-se numa cooperação estratégica que determinou a criação do
6.º maior operador marítimo mundial de carga contentorizada, com uma quota de
mercado de 6,4%.
Isoladamente, nenhum destes operadores
marítimos desempenhava um papel particularmente relevante, nas principais rotas
marítimas mundiais. No entanto, a criação da ONE deu origem ao maior operador
na rota marítima da Ásia para a América do Norte (Rota Transpacífica). É
igualmente o segundo maior operador marítimo na rota da Ásia para a América do
Sul, bem como o segundo maior operador marítimo na rota da Ásia para a Oceânia.
Apesar das evidentes sinergias, não nos
parece previsível que a “joint-venture” possa evoluir para uma operação de
fusão tradicional num horizonte próximo. Este facto é essencialmente
justificável pelo modelo de organização empresarial típico do Japão – Keiretsu
(basicamente uma complexa teia de interesses e participações cruzadas, no
âmbito de um conglomerado económico).
A MOL pertence ao Keiretsu da Mitsui
(que envolve o Banco Sumitomo Mitsui bem como a Mitsui, a Fuji, a Toyota e a
Toshiba), a NYK pertence ao Keiretsu da Mitsubishi (que envolve o Banco
Tokyo-Mitsubishi, a Mitsibushi e a Nyppon Yusen) e a Kline pertence ao Keiretsu
Sumitomo (que inclui o Banco Sumitomo, a Mazda, a NEC, a Sumitomo e vários
operadores de transporte ferroviário).
Para contextualizar, um Keiretsu é uma
complexa figura empresarial, caracterizada por relações de parceria, assentes
em participações empresariais cruzadas numa lógica de rede, envolvendo
simultaneamente o próprio Estado do Japão. Têm de ser perspetivados à luz da
cultura japonesa e estas complexas teias de relações empresariais ligam os
bancos, fabricantes, fornecedores e distribuidores.
Apesar dos navios na ONE impressionarem
visualmente pela sua cor magenta-choque, a operação portuária continua
diferenciada entre a MOL, a NYK e a Kline. Em Janeiro de 2024, a sua carteira
de encomendas ascende 410 mil TEU, tendo recentemente a ONE apostado, à
semelhança da Maersk, na encomenda de 12 navios movidos a dual fuel/metanol de
13.000 TEU que apenas serão entregues em 2027. A estes navios somam-se 20
encomendas anteriormente efetuadas de navios convencionais (fuel), com uma
capacidade de 13.700 TEU.
Tabela 2 - Concentração
da Operação Portuária
Evergreen Line
O Grupo Evergreen, é originário e
sediado em Taiwan, representando a 1 de janeiro de 2024, uma frota com a
capacidade de 1,645 milhões TEU (quota de mercado de 5,8%).
Tradicionalmente conhecido como um
“outsider” em termos estratégicos, foi o único operador marítimo que previu em
2004, o potencial “crash” no “shipping” que viria a ocorrer em Outubro de 2008,
refreando a sua carteira de encomendas de navios enquanto todos os restantes
operadores marítimos de carga contentorizada continuavam o seu processo de
expansão.
Foi igualmente o primeiro operador
marítimo a introduzir o conceito “Round-the-World”, ou seja, uma verdadeira
rota marítima no sentido E/W passando pelos principais Canais Mundiais,
naturalmente com a limitação de 5.500 TEU associado ao Canal do Panamá.
Em 2009, o fundador do Grupo Evergreen
(Chang Yung-Fa), afirmava que não acreditava em navios de grande dimensão.
Achava que tínhamos atingido o ponto de inflexão economia de escala/deseconomia
de escala. Não tinha razão e rapidamente o admitiu. O Grupo Evergreen apostou
decididamente numa lógica de crescimento endógeno, assente na encomenda de
navios de grande dimensão.
A 1 de janeiro de 2024, tem
proporcionalmente, a maior carteira de encomendas em estaleiro (824 mil TEU –
50,1% da frota atual). Os navios da Classe Ever Ace com uma capacidade de carga
de 23.964 TEU são disso um bom exemplo.
Outro aspeto relevante é a mudança de
orientação estratégica relativamente às Alianças Estratégicas. Tal como
anteriormente referido, a Evergreen sempre foi um “outsider”, recusando fazer
parte de Alianças Estratégicas globais. Mudou de opinião e passou a fazer parte
da “Ocean Alliance” (com a CMA-CGM e a COSCO).
A estratégia de crescimento endógeno,
através da aquisição de grandes navios, está naturalmente associada à nova
política de Alianças Estratégicas. As economias de escala associadas à dimensão
apenas são possíveis com elevadas taxas de ocupação.
A “manchar” o bom desempenho da
Evergreen, realça-se o encalhe do “Ever Given” no Canal do Suez, que
autenticamente parou o comércio marítimo mundial, entre 23 e 29 de Março de
2021. A disrupção das cadeias de abastecimento desde essa data, veio, consecutivamente,
a acentuar-se.
FERNANDO CRUZ GONÇALVES
Professor da ENIDH
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