Reformulação das Alianças Estratégicas - Artigo T&N (Fernando Cruz Gonçalves)


 

"Constelação Gemini" – Falsos Gémeos?

Numa alegoria às Estrelas do Norte (Pollux e Castor) que dominam a “Constelação Gemini”, a Maersk Line e a Hapag-Lloyd, anunciaram oficialmente um acordo de longo prazo de cooperação estratégica, comercial e operacional, que terá inicío em Fevereiro de 2025 e que determinará, necessarimente, a total reconfiguração do actual panorama de Alianças Estratégicas, que tem dominado o transporte marítimo de carga contentorizada à escala global.

Tal como na mitologia Grego-Romana eram Deuses, filhos da mesma mãe (Leda) e de diferentes pais (Tyndareus – Rei de Esparta/ Zeus – Deus Imortal), também na “Cooperação Gemini”, se tratam de “falsos gémeos”. A rede integrada da Maersk Line e da Hapag-Lloyd, envolverá 290 navios, com uma capacidade agregada de 3,4 milhões de TEU, sendo 60% afectos à Maersk e 40% afectos à Hapag-Lloyd.

 

Vídeo 1 – Anúncio Oficial da “Cooperação Gemini” (Maersk e Hapag-Lloyd)

 

Configuração da “Cooperação Gemini”

Este modelo de cooperação envolve alguns aspectos diferenciadores face aos concorrentes:

1)   Assunção de um compromisso contratualizado, de garantia de uma fiabilidade de serviço superior a 90%, num momento em que face à disrupção das cadeias de abastecimento, o nível de fiabilidade da rede é muito inferior;

2)   A cooperação inclui as actividades logísticas de “back-up” que visam assegurar uma cobertura global, bem como toda a rede de infraestruturas portuárias de apoio;

3)   O modelo colaborativo envolve 7 grandes eixos de tráfego, consubstanciados em 26 serviços de linha regular, envolvendo “transhipment hubs” conectados por serviços “feeder” do tipo “shuttle” (ligação directa). Subjacente ao modelo proposto está presente uma redução no número de portos “hub” escalados por estes serviços. Este modelo confere uma maior flexibilidade e fiabilidade do serviço.

 

Fim do “EU Consortia Block Exemption” (25 de Abril de 2024)

Como o mercado do transporte marítimo de carga contentorizada se tornou um verdadeiro oligopólio (o índice C4 - somatório do "market share" dos 4 maiores "players" representa 57,7% do mercado), a Comissão Europeia determinou a revogação do “EU Consortia Block Exemption”.

A partir de 25 de Abril de 2024, deixará de existir um regime de excepção às regras da concorrência para o sector do transporte marítimo, determinando a aplicabilidade do regime geral de concorrência na União Europeia.

Acordos operacionais/comerciais, entre operadores que representem mais de 30% do mercado, deixam de ter enquadramento legal e serão alvo de permanente escrutínio das autoridades reguladoras.

Neste enquadramento, o anúncio oficial da constituição da “Gemini Cooperation”, segue-se ao anúncio do “divórcio” da Aliança 2M (MSC+Maersk), que a curto prazo deixará de ter enquadramento legal.

Para além deste motivo, diferentes modelos de negócio seguidos por estes operadores, consumaram uma separação que já era expectável no mercado.

 


Para a Maersk o objectivo da empresa já não é ser o maior operador marítimo mundial, mas sim o mais rentável. Para tal, a Maersk deixou de ser um mero transportador marítimo e assumiu-se como um grande operador logístico global (“freight integrator”), dando especial relevo às áreas de maior valor acrescentado, no âmbito da cadeia de abastecimento e apostando decisivamente na reformulação da sua vertente logística.

Por outro lado, Soren Soft, actual CEO da MSC e anteriormente líder da Maersk Line durante mais de 25 anos, deu seguimento à estratégia de crescimento endógeno (através de aquisições de navios em 2.ª mão e novas encomendas em estaleiro) iniciada por Aponte (Chairman da MSC).

Com o mercado em alta no início de 2024, associado às disrupções das cadeias de abastecimento (COVID/ Convulsão Mar Vermelho/ Guerra da Ucrânia), “qualquer coisa que flutue dá dinheiro”, pelo que a MSC cimentou a sua posição de líder incontestado no mercado do transporte marítimo de carga contentorizada.

 

Alianças Estratégicas: Perspetivas Futuras

É neste novo paradigma legal que temos que perspectivar o futuro das Alianças Estratégicas no mercado do transporte marítimo de carga contentorizada:

  • MSC está “condenada” a seguir um novo rumo sozinha, separada da Maersk Line, atendendo que a sua quota de mercado se encontra próxima dos limites legais máximos admitidos. A sua frota entre navios a operar e navios em    encomenda (em estaleiro), ascende praticamente a 7 milhões de TEU;
  • A Maersk Line e a Hapag-Lloyd desenvolverão sinergias em conjunto no seio da “Gemini Cooperation”. Juntas representam uma quota de mercado de 22%. A recente aquisição e assimilação da Hamburg Sud (2017) pela Maersk, indicia uma proximidade de identidade e valores entre os operadores Alemães e Dinamarqueses;
  • A “Ocean Alliance”, constituída pela CMA-CGM, COSCO e Evergreen, aparentemente manterão a sua dinâmica própria, assumindo que a sua quota de mercado conjugada se encontra muito próxima dos valores máximos admitidos (30%). A Evergreen tem desenvolvido parcerias com a  X-Press Feeders Group, com recurso a navios movidos a metanol, mas não é previsível a sua integração no seio da “Ocean Alliance”;
  • A “The Alliance” sofre um rude golpe com a saída da Hapag-Lloyd (que lhe conferia uma relevância significativa nos tráfegos com a Europa), ficando muito dependente da ONE (resultante da fusão dos Operadores Marítimos Japoneses). A HMM (Coreia do Sul) está num processo de privatização com alguma convulsão e o seu futuro é indeterminado. A Yang Ming (operador marítimo de Taiwan) também vem evidenciando algumas dificuldades a nível económico. De qualquer maneira, o acordo da Aliança Estratégica “The Alliance” entre estes operadores é válido até 2030;
  • Existe ainda a possibilidade da “The Alliance” integrar a Wan Hai Lines, a qual apesar de ser muito forte em serviços “feeder” na rota Intra-asiática, encomendou uma série de navios de 13,000 TEU e tem a ambição de entrar nas rotas E/W. O mesmo pode ser aplicável à integração da PIL (Pacific Line); 
  • Independentemente das soluções possíveis a “The Alliance” deixa de ter a relevância anterior nas Rotas do Far-East (Asia/Europa) e na Rota Transatlântica (Europa/EUA), ficando demasiadamente exposta à Rota Transpacífica.

Figura 3 – Transferências de Operadores Marítimos (Alianças Estratégicas)


 

Figura 4 – Reformulação das Alianças Estratégicas – Horizonte 2025

 

Implicações a nível Portuário


Um último aspecto a considerar, são as implicações a nível portuário decorrentes da reformulação das Alianças Estratégicas.

Muitos dos operadores marítimos são, simultaneamente, operadores portuários e a sua política de Alianças Estratégicas é determinante na seleção da interface portuária.

Relativamente à “Gemini Cooperation” vai ter impacto siginificativo a nível do porto de Hamburgo (tradicionalmente “homebase” da Hapag-Lloyd). De acordo com as afirmações dos responsáveis da Maersk e da Happag Lloyd, vão apostar num número mais reduzido de grandes “hubs” a nível europeu, privilegiando os portos de Wilhelmshaven, Bremerhaven e Roterdão.

A aquisição por parte da MSC de 49,9% do maior operador portuário do porto de Hamburgo é, em nossa opinião, um dos principais elementos que precipitou a “Gemini Cooperation” entre a Maersk e a Hapag-Lloyd.

Não faz sentido estes operadores marítimos estarem, indirectamente, a fazer subsidiação cruzada para a MSC na “homebase” da Hapag-Lloyd. Lembramos igualmente que o porto de Hamburgo também era a “homebase” da Hamburg Sud (operador alemão especialista em rotas N/S, aquirido em 2017 pela Maersk).

Também o impacto a nível do porto de Sines pode ser significativo. A PSA tem um acordo preferencial com a MSC e a Aliança 2M abriu as “portas” do porto de Sines à Maersk. Essa ligação terminou e a partir de Fevereiro de 2025 não entrará mais carga da Maersk no porto de Sines. Resta saber se o acréscimo de carga da MSC, associada ao seu aumento de dimensão, será suficiente para compensar a perda da carga associada à Maersk. 




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