ENIDH – Escola Superior Náutica Infante D. Henrique
Numa altura em que a maior parte das Instituições de Ensino Superior se debate com um problema “crónico” de falta de alunos, por vezes interrogo-me sobre qual a razão pela qual a ENIDH – Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, nos últimos três anos mais do que duplicou o número dos seus alunos bem como das suas ofertas formativas. Tento associar essa realidade a um “renascimento” do interesse dos nossos jovens pelas profissões marítimas e portuárias e que o nosso país finalmente percebeu que só teve sucesso quando se voltou para o mar.
Não sou ingénuo, e não posso deixar de reconhecer que o negócio do shipping viveu nos últimos cinco anos um período de anormal actividade económica (o melhor dos últimos cinquenta anos), em que o aumento do Comércio Internacional se traduziu num significativo aumento da procura por serviços de Transporte Marítimo. O sobredimensionamento da procura face à oferta disponível (em particular no mercado da carga contentorizada e dos graneis sólidos), determinou taxas de frete mais aliciantes e, consequentemente, melhores condições salariais e de vida a bordo dos navios. Mas não me parece ser esta a razão de fundo associada ao renascimento do interesse dos jovens pelas profissões marítimas. Seria redutor e insustentável, numa altura em que nos deparamos com uma das maiores crises económicas à escala mundial que tem atingido fortemente o negócio do shipping. Após alguma reflexão parece-me que as principais razões que estão associadas a este fenómeno são as seguintes:
a) A Escola Superior Náutica Infante D. Henrique foi uma das Instituições precursoras da aplicação dos princípios associados à Declaração de Bolonha. A mensagem subjacente à mudança de um paradigma de ensino assente na transmissão de conhecimentos para um ensino focado no desenvolvimento de competências foi perfeitamente assimilada na ENIDH. A uniformização de conteúdos à escala internacional, a aposta num ensino participado em que os alunos são estimulados a desenvolver competências académicas, comportamentais e operacionais são um dos factores de sucesso da nossa Instituição.
b) A aposta no ensino personalizado, assente nas especificidades individuais de cada aluno são um dos traços característicos da ENIDH. O objectivo é a formação integral do aluno numa perspectiva não apenas académica mas também a nível de carácter, valores e princípios. Cada aluno não é um número, mas sim uma personalidade única, parte integrante de um projecto comum de melhoria do sector marítimo-portuário em particular e, da sociedade em geral.
c) Enquanto Instituição de Ensino Superior Politécnico, percebemos que a nossa aposta tem de passar por um forte ênfase no “saber fazer”. Os nossos alunos têm que ser um “valor acrescentado” imediato nas empresas para as quais vão trabalhar. Só assim conseguimos, a curto prazo, aumentar a produtividade e a competitividade nacionais. Mas atenção, o ênfase no “saber fazer” não é conquistado em detrimento da vertente académica. É essa vertente que permite aumentar a elasticidade mental dos nossos alunos e a sua capacidade de dar resposta a novos desafios. Numa envolvente contextual em permanente mutação este factor é determinante.
d) A clara percepção que o sector marítimo-portuário é parte integrante de uma realidade muito mais vasta que engloba cadeias de abastecimento de dimensão global. Realidades emergentes como a aplicação dos princípios associados ao supply chain management, integração logística e integração modal, são temas familiares a todos os nossos alunos. Não deixa de ser curioso que o modelo seguido pela ENIDH, que evoluiu de uma Instituição meramente vocacionada para a formação de Oficiais da Marinha Mercante para um modelo mais abrangente de um autêntico Instituto de Transportes e Logística esteja a ser “copiado” à escala internacional. A tradicional Maritime Academy está em declínio e a ser substituída à escala internacional por modelos semelhantes ao da ENIDH.
e) A consciencialização por parte dos jovens que os sectores tradicionais estão “saturados” e que mais vale apostar em sectores que apresentam um forte desenvolvimento com elevados níveis de empregabilidade. O sector dos transportes e da logística tem crescido a ritmos superiores a dois dígitos anuais e a ENIDH “orgulha-se” de apresentar um nível de empregabilidade de 100% entre os seus jovens recém-licenciados. Enquanto Professor da ENIDH, tenho consciência que a minha visão pode ser entendida como “parcial”. Entendo perfeitamente esse raciocínio e sei que ainda temos alguns aspectos a melhorar no seio da nossa Instituição. No ensino e formação dos nossos jovens nunca nos poderemos dar como satisfeitos enquanto não alcançarmos a excelência.
Alguns mais cépticos argumentarão que a aposta na formação para o sector marítimo não faz sentido quando praticamente não existe Marinha Mercante Nacional. Então onde é que estão os milhares de Oficiais da Marinha Mercante que foram sendo licenciados pela nossa Instituição? No desemprego? Não, são oficiais altamente qualificados em tripulações nacionais e internacionais, que lutam “dia-a-dia” com a concorrência de tripulações substandard.
O nosso mercado é por natureza o mercado mais global à escala mundial e os Oficiais da Marinha Mercante Portuguesa são reconhecidos internacionalmente como estando na “linha da frente” em termos de qualificação e formação. Muitos outros, após um período mais ou menos prolongado de embarque, abraçaram aliciantes profissões em terra associadas ao sector marítimo-portuário. Importa igualmente salientar que um navio é uma instalação industrial altamente complexa. No mar, quando muitas vidas humanas dependem de nós, não se pode chamar a assistência técnica como se faz na generalidade das empresas em terra quando surgem problemas nos equipamentos. São os tripulantes que os têm de resolver. Isto desenvolve competências e conhecimentos para as suas futuras profissões terrestres. Questões como o respeito pela hierarquia, a exigência do trabalho ou a necessidade de estar disponível a qualquer hora (o conceito de fim-de-semana ou de horário fixo semanal não existe no mar) fazem destes profissionais um valor acrescentado para qualquer empresa. Em suma, parece-me que estamos num “ponto de viragem”.
É indiscutível que as questões do mar voltaram a estar na “agenda” dos nossos políticos e governantes. Questões como a importância da constituição de um cluster marítimo-portuário, a economia do mar, o aproveitamento da energia das ondas, a aposta nos navios de cruzeiro e na náutica de recreio, são pilares fundamentais para o futuro da economia nacional. Mas é necessário assegurar a sustentabilidade do modelo de relançamento da imagem do sector marítimo-portuário para não se voltarem a repetir erros cometidos no passado. E isso é um projecto de médio-longo prazo que envolve uma profunda mudança cultural. Hoje mesmo, alunos e professores da ENIDH estarão num jardim-de-infância a explicar a crianças a importância económica deste sector. Os navios, portos e contentores têm que passar a ser vistos como “amigos” do desenvolvimento sustentável e não como entrave ao mesmo. Estou certo que todos os leitores da Revista de Marinha contribuirão na sua medida para a prossecução deste desiderato. Os principais beneficiados serão as gerações vindouras, os nossos filhos e netos. Está na altura de definirmos o nosso legado.
Finalmente, para todos os que decidirem “embarcar” neste aliciante e promissor sector, não poderíamos deixar de dizer - Sejam bem-vindos ao seio da grande “Família” da ENIDH – Escola Superior Náutica Infante D. Henrique. Contamos com o vosso trabalho, iniciativa e dedicação. Juntos podemos construir o vosso futuro.
Fernando Cruz Gonçalves – Professor da ENIDH (Escola Superior Náutica Infante D. Henrique) - Publicado na Revista de Marinha, Junho de 2009
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