Descarbonização do transporte marítimo: Implementação do EU ETS
Um ano após a sua entrada em vigor, iniciou-se, a 1 de janeiro de 2025, uma nova fase da implementação do sistema “EU ETS – European Union Emissions Trading System” com o aumento da internalização das emissões de um valor de 40% (2024) para 70% (2025).
Em paralelo decorrerá, em setembro, a primeira entrega dos respetivos EUAs (“European Union Allowances”), tendo em conta as emissões anuais de gases com efeito de estufa (inicialmente limitadas apenas às emissões de dióxido de carbono) reportadas pelos operadores marítimos à União Europeia para 2024.
A entrega será executada à Autoridade Administrativa Comunitária “Administering Authority” alocada aos operadores e o processo efetuado através da plataforma comunitária do Registo da União “Union Registry”. Em Portugal, esta responsabilidade está atribuída à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), no âmbito do Registo Português de Licenças de Emissão (RPLE).
O EU ETS é um sistema de comércio de emissões poluentes da União Europeia, sendo um dos mais recentes e principais instrumentos utilizados pela UE para combater as alterações climáticas e reduzir as emissões de gases de efeito de estufa de forma eficiente e económica.
A partir de 2024, o transporte marítimo começou a ser incluído gradualmente no EU ETS, como parte do pacote legislativo “Fit for 55”, que busca reduzir as emissões líquidas de GEE em pelo menos 55% até 2030 em relação aos níveis de 1990.
Trata-se de um sistema de internalização das externalidades associadas ao transporte marítimo, visando integrar as mesmas através de mecanismos de mercado.
O mercado de carbono é definido segundo o princípio de “cap and trade”, ou seja, é definido o limite de poluição admissível (cap), sendo atribuído o número adequado de licenças para poluir negociáveis (trade). Esse limite é reduzido anualmente, garantindo uma redução progressiva nas emissões. O preço das “autorizações” (European Union Allowances “EUAs”), que representa o nível da taxa pela poluição, é, então, fixado pela oferta e pela procura no mercado de “autorizações”.
O sistema está a ser implementado de forma gradual. Em 2024, os operadores marítimos foram obrigados a internalizar 40% das emissões de dióxido de carbono (CO₂) associadas ao sector, aumentando esse valor para 70% em 2025 e para 100% em 2026. Em 2026 a contabilização das emissões será estendida aos outros Gases de Efeito de Estufa (GHG), nomeadamente o metano (CH₄) e os óxidos nitrosos (N₂O).
O esquema de tarifação envolve todos os navios com uma arqueação bruta igual ou superior a 5.000 GT, com partida ou chegada em portos europeus. O valor da tarifação é feito com base no princípio da territorialidade, tentando que as emissões sejam pagas, o mais próximo possível do local, onde as emissões foram produzidas:
– Viagens entre portos europeus – 100% das emissões pagas;
– Viagens entre portos europeus e portos não europeus – 50% das emissões pagas;
– Viagens entre portos não europeus e portos europeus – 50% das emissões pagas;
– Acostagem em portos europeus – 100% das emissões pagas.
Figura 1 – Modelo de Tarifação das Emissões de Carbono (ETS)
O valor a pagar pelos operadores marítimos será determinado com base no tipo de combustível (bancas), quantidade utilizada, na distância navegada e nas emissões calculadas de gases com efeito de estufa (GHG), incidindo, numa primeira fase, apenas sobre as emissões de dióxido de carbono (CO₂) e, a partir de 2026, incluindo também o metano (CH₄) e o óxido nitroso (N₂O).
O método de cálculo considera vários fatores, como fatores de emissão associados ao tipo de combustível e de acordo com o seu “Global Warming Potential” (GWP), o fator de internalização gradual das emissões (40% em 2024, 70% em 2025 e 100% a partir de 2026) e as derrogações e exceções previstas no regulamento, excluindo, por exemplo, as emissões provenientes da navegação entre portos nacionais e as suas regiões ultraperiféricas e estadia em Porto (como o caso dos arquipélagos da Madeira e dos Açores), a exclusão da definição de “portos de escala” a certos portos vizinhos à União Europeia (como Tânger Med, em Marrocos, ou East Port Said, no Egito), que poderiam ser utilizados como portos evasivos de transbordo de contentores (aplicável apenas aos navios porta-contentores) de modo a reduzir as emissões quantificáveis no âmbito do EU ETS, ou ainda um desconto de 5% nas emissões quando os navios possuem a classificação “Ice Class” (IA, IA Super ou equivalente). Para incentivar práticas mais sustentáveis, combustíveis menos poluentes, como os biocombustíveis, têm fatores de emissão nulos, não sendo contabilizados no âmbito do EU ETS.
Tabela 1 – Valor a pagar pelo Operador Marítimo
Fórmula de Cálculo = (x+y) * preço do EUA (European Union Allowances)
X = Emissões de CO₂ calculadas em função do combustível utilizado em viagens dentro do âmbito da diretiva
Y = Emissões de CH₄ / N₂O calculadas em função do combustível utilizado dentro do âmbito da diretiva
1 EUA (European Union Allowance) = Permissão para emitir 1 tonelada métrica de CO₂ equivalente.
Nota: as emissões de CH₄ / N₂O são convertidas em emissões de CO₂ equivalentes através da sua multiplicação pelo Fator de Aquecimento Global
A título de exemplo, para 2024, apenas para o CO₂, a estimativa da valorização monetária de 40% das emissões de carbono associadas ao transporte marítimo ronda os 3,5 mil milhões.
Para 2025, o aumento da percentagem de internalização da valorização monetária dos mesmos (70%) irá implicar um aumento muito significativo dessas sobretaxas.
O sistema funciona sobre o princípio do “poluidor” pagador e permite a compra e venda destas European Union Allowances (EUAs) para cobrir a emissão de cada tonelada métrica de emissões de CO₂ equivalente. Serão os próprios mecanismos de mercado que determinarão, a cada momento, o valor unitário de cada EUA. Por exemplo, para dia 22 de janeiro de 2025, o último valor transacionado de cada unidade EUAs no mercado primário era de 76,830 Euros.
Figura 2 – Valor das EU ETS -“Allowances”
Naturalmente, os operadores marítimos passam o seu acréscimo de custos decorrente da implementação do sistema EU-ETS para os Carregadores/Transitários, através da criação de sobretaxas adicionais. Apresentam-se seguidamente os valores da sobretaxa cobrada pelos principais operadores marítimos para o ano de 2024.
Tabela 2 – Sobretaxa cobrada Operadores Marítimos (ETS’s)
Em 2025, o aumento da percentagem de internalização da valorização monetária e a inclusão dos restantes gases de efeitos de estufa a partir de 2026, irão implicar um aumento muito significativo dessa sobretaxa dos operadores. Como exemplo o operador Francês, CMA CGM antecipa na sua página web um aumento de 75% nas sobretaxas relativas ao EU ETS para 2025, apenas tendo em conta o aumento da internalização para 2025, isto sem considerar possíveis flutuações no valor unitário das EUAs. Na prática, o acréscimo de custo decorrente do modelo de tarifação das emissões poluentes do transporte marítimo, será sempre transferido para o consumidor final, dos produtos transportados por via marítima.
Em retrospetiva, o primeiro ano de implementação apresentou imensos desafios para armadores, afretadores e gestores técnicos / ISM, destacando-se as dificuldades em interligar a regulamentação à sua realidade operacional e comercial, a necessidade de rever e acrescentar clausulas aos contratos de afretamento e aos contratos de gestão do navio (SHIPMAN), o pouco célere processo legal e burocrático de abertura das contas de operador “MOHA” no Registo da União, essenciais para transacionar os EUAs, deixaram muitos operadores entregues à volatilidade do mercado e com dificuldade em definir uma estratégia eficaz de compra de EUAs. A gestão e harmonização de dados emergiu como um elemento fundamental para o cumprimento da regulamentação sendo que existe a necessidade de melhorar interoperabilidade sistemas e de padronização da entrega de informação desde o reporte a bordo, à verificação.
Concluindo, o EU ETS e a inclusão das “European Union Allowances” no shipping são uma ferramenta crucial para descarbonizar o setor marítimo. A criação de um mercado de carbono visa criar uma economia do transporte marítimo mais sustentável e reduzir as emissões de um setor que tradicionalmente tem sido difícil de regular devido à sua natureza global e de organização complexa. Este percurso tornou-se ainda mais desafiante quando em simultâneo a 1 de Janeiro de 2025, entrou em vigor outra regulamentação para a descarbonização do sector marítimo, o FUEL EU. Este regulamento, bem mais complexo, visa promover o uso de combustíveis renováveis, de baixo teor carbónico, e tecnologias de energia limpa para os navios, sendo essenciais para apoiar a descarbonização do setor. A aplicação do FUEL EU será penalizadora para os operadores com baixo desempenho e opções que recaem apenas sobre os tradicionais combustíveis fosseis dentro do seu “mix” de combustíveis, estas penalizações situam-se nos 2400 euros por tonelada de VLSFO equivalente. No entanto, o regulamento também contempla mecanismos compensatórios, pelo que a estratégia de cumprimento será determinante. Quando gerado um excedente no balanço de conformidade “Compliance Balance”, através por exemplo da inclusão de biocombustíveis com baixo valor calorífico (MJ/g) e baixo fator “Well to Wake” (gCO2eq/MJ), ou pela venda desse balanço a operadores com défices nos seus navios, surgindo assim o conceito de “pooling”, que pode ser realizado de forma interna ou externa, trazendo vantagens financeiras significativas.
FERNANDO CRUZ GONÇALVES
Consultor em Descarbonização na Indústria Marítima
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