Rota Polar Ártica: Uma alternativa credível face à convulsão no Suez? (Artigo T&N - Fernando Cruz Gonçalves - 26.03.2024)

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Rota Polar Ártica: Uma alternativa credível face à convulsão no Suez?

“We invite foreign logistics companies and states to use the opportunities of the Northern Sea Route – a global transport corridor. Last year, 36 million tons of cargo passed along the Northern Sea Route – this is already five times more than the record figure from the times of the Soviet Union.”

Vladimir Putin (2024)

 David Melgueiro – Lenda ou Realidade?

Não há evidências históricas que o comprovem, mas vários historiadores mencionam que o navegador português David Melgueiro foi o primeiro, em 1660, a estabelecer a ligação marítima por Norte entre o Oriente (Japão) e a Europa (Porto), através da designada Rota Polar Ártica.

Independentemente da veracidade desta realidade, não deixa de ser paradoxal que, em 2024, Vladimir Putin, Presidente da Rússia, venha, hipocritamente, chamar a atenção para as virtualidades desta ligação marítima, num contexto de grande instabilidade no Médio Oriente, que determinou que a maior parte dos Operadores Marítimos Mundiais tenha passado a optar pela Rota do Cabo em detrimento do Canal do Suez, face aos sucessivos ataques terroristas a navios mercantes por parte dos Houthis a partir do Iémen.

Os rebeldes Houthis são apoiados e armados pelo Irão, e seria muito mais fácil para Putin utilizar a sua influência político/militar para acabar com a intervenção dos mesmos.

Rota Polar Ártica vs. Canal do Suez

Fonte: Extraído e adaptado de Humpert, Malte, “The Future of Arctic Shipping”, Arctic Institute

Na realidade, a redução da distância entre os principais centros de produção (China) e atração de cargas (Norte da Europa) é significativa, o que, aliado ao efeito das alterações climáticas (aquecimento da temperatura média mundial, com o consequente degelo das calotes polares), permite ponderar a navegabilidade e viabilidade desta rota, de uma forma competitiva em termos comerciais.

A redução da distância poderia, potencialmente, induzir um decréscimo significativo no tempo de viagem entre os principais portos da Europa e os principais portos asiáticos.

Questões Operacionais e de Segurança na Navegação

Ao analisarmos os dados estatísticos referentes aos navios de arqueação bruta superior a 50.000 DWT na Rota do Ártico, verificamos que a sua velocidade média é significativamente inferior à velocidade média dos navios que seguem a Rota do Suez ou a Rota do Cabo.

Um navio porta-contentores tradicional navega a 16 nós, na Rota do Extremo Oriente (via Canal do Suez / via Cabo da Boa Esperança). Na Rota do Ártico, a velocidade média não excede os 12 nós. A redução da distância geográfica não se traduz significativamente num “transit time” mais competitivo.

Tabela de Distâncias/ Tempo de Viagem

(Canal Suez vs. Rota do Cabo vs. Rota do Ártico)

 

 

Xangai – Roterdão

Distância

(Canal do Suez)

10.800 milhas náuticas

Distância

(Rota do Cabo)

13.500 milhas náuticas

Distância

(Rota do Ártico)

7.700 milhas náuticas

Tempo de Viagem

28 dias (16 nós)

Tempo de Viagem

35 dias (16 nós)

Tempo de Viagem

26,5 dias (12 nós)

Outro aspeto a considerar, é a segurança da navegação. O número de acidentes na rota do Ártico é muito significativo.  Um terço desses acidentes está relacionado com falhas da Máquina Principal, valor significativamente superior às outras rotas de navegação e que está intimamente associado às baixas temperaturas e condições adversas do mar.

Questões Comerciais (Economias de Escala)

A questão determinante que coloca em causa a viabilidade da Rota Polar Ártica como alternativa à Rotas do Extremo Oriente (via Suez ou via Cabo) é a dimensão dos navios e as economias de escala associadas.

Mesmo num cenário de grande instabilidade política e social no Médio Oriente, a Rota Polar Ártica, num futuro próximo, não será uma alternativa credível à Rota do Extremo Oriente (quer via Canal do Suez, quer via Rota do Cabo), na ligação marítima entre a Ásia e a Europa.

Navios do tipo “Articmax” (dimensão máxima para navegar na Rota Ártica), não têm qualquer hipótese de competir com as economias de escala associadas aos navios porta-contentores de última geração que sulcam as principais rotas marítimas mundiais e, em particular, as Rotas Marítimas do Extremo Oriente.

Os navios do tipo “Articmax” estão limitados em termos de boca e calado, transportando no máximo 2.500 a 4.500 TEU. A “escolta” obrigatória de navios quebra-gelos limita a boca máxima destes navios a 30 metros (correspondente à boca do navio quebra-gelos).

Existem, igualmente, algumas limitações naturais, como o Estreito de Bearing e o Estreito de Laptev, que limitam o calado dos navios a um valor máximo compreendido entre os 10 e os 12 metros.

Limitações geográficas naturais vs. Tipos de Navios

Fonte: Autor, adaptado e traduzido de Humpert, Malte, “The Future of Arctic Shipping”, Arctic Institute

Conclusões – Viabilidade da Rota Polar Ártica

Mesmo num cenário de grande instabilidade política e social no Médio Oriente, a Rota Polar Ártica, num futuro próximo, não será uma alternativa credível à Rota do Extremo Oriente (quer via Canal do Suez, quer via Rota do Cabo), na ligação marítima entre a Ásia e a Europa. As limitações em termos de boca, calado e segurança na navegação assim o determinam. Apenas navios até 4.500 TEU a poderão utilizar.

A este facto acresce a inexistência de uma rede portuária de suporte à constituição de uma rede de distribuição. A vantagem em termos de distância física é, igualmente, limitada, pela baixa velocidade média de navegação.

Independentemente da vontade de Vladimir Putin, na nossa opinião, ainda não será agora que a Rota Polar Ártica assumirá um papel de relevo a nível do tráfego marítimo mundial.

   FERNANDO CRUZ GONÇALVES



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