REVISTA CARGO - Fernando Cruz Gonçalves: Maersk inova no design e propulsão dos navios porta-contentores

Maersk inova no design e propulsão de navios porta-contentores

 


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Navios da Classe “Triple E” da Maersk (2013)

Em 2013, os navios da Classe “Triple E” da Maersk revolucionaram o mercado do transporte marítimo de carga contentorizada. Com 18.000 TEU de capacidade de carga, esta série de navios baseava-se em três eixos fundamentais: Economias de Escala/ Eficiência Económica/ Eficiência Energética. A partir daí nada seria como dantes. Todos os principais Operadores Marítimos seguiram o modelo preconizado pela Maersk. A procura incessante por economias de escala tornou-se uma norma no mercado.

O formato dos navios porta-contentores passou a assumir um design U-shaped em detrimento do tradicional formato V-shaped, permitindo ganhos hidrodinâmicos e, em especial, aumento da capacidade de carga através do reaproveitamento de “espaços mortos” associados ao design em V, para além de um aumento significativo da área exposta acima da linha de água (obras mortas). O avanço da ponte do navio e o recuo das duas máquinas principais permitiu aumentar a altura de estiva dos contentores e, simultaneamente aumentar o rendimento energético, através da redução da dissipação de energia por diminuição da distância do veio propulsor.

As duas máquinas principais, associadas a dois hélices propulsores, permitiam que o navio atingisse uma velocidade de 23 nós, apesar da sua velocidade de cruzeiro ser de apenas 16 nós. A fiabilidade do serviço assumia-se como um factor crítico de sucesso no mercado. Em caso de atraso, colocava-se mais máquina para cumprir o serviço de linha regular, dentro dos horários e prazos pré-definidos.

Revolução no paradigma de encomendas de novos Navios Porta-Contentores

Em Agosto de 2021, a Maersk voltou a revolucionar o tradicionalmente conservador mercado do shipping, encomendando oito navios movidos a metanol (dual-fuel). Tratam-se de navios com 350 metros de comprimento “fora-a-fora” e 53 metros de boca. Ao contrário dos “Triple E”, a ênfase não está nas economias de escala (redução do custo unitário de transporte por aumento da dimensão do navio). São navios de 16.000 TEU quando presentemente, os navios porta-contentores de maior dimensão ascendem aos 23.992 TEU – ‘Ever Ace‘ (Evergreen)

Esse paradigma estava associado à necessidade de redução de custos, para ser competitivo no mercado global, quando os fretes marítimos assumiam valores muito reduzidos. O enfoque agora, no início de 2022, com o mercado caracterizado pelos fretes elevados, pela falta de fiabilidade dos serviços e pelo congestionamento portuário, está na maximização da capacidade de carga, tendo em consideração as dimensões do navio, visando especialmente, a optimização do ritmo de carga/descarga e da operação portuária.

Figura 1 – A ponte e os alojamentos avançaram para vante do navio

Mais uma vez, a Maersk com um design arrojado, promete determinar a evolução no sector. A ponte e os alojamentos avançaram totalmente para vante do navio. A máquina principal, os depósitos de combustível e a chaminé recuaram para ré. Mais, a chaminé está confinada a meio navio (lado bombordo).

Figura 2 – Chaminé confinada a BB do navio

Na prática, o navio visa materializar o conceito de rendimento teórico de um pórtico (tradicionalmente 33 TEU/hora). Este valor é calculado teoricamente, considerando um bloco homogéneo de contentores, sem descontinuidades. No novo navio da Maersk, o rendimento efectivo, aproxima-se do rendimento teórico da superestrutura portuária. O navio assume-se como um bloco homogéneo de contentores, sem qualquer tipo de descontinuidades, que reduzam o ritmo e eficiência da operação portuária.

Figura 3 – Navio como bloco homogéneo de contentores

Torna-se possível operar com 5 pórticos em simultâneo, atingindo ritmos de carga/descarga próximos dos 150 TEU/hora. Em paralelo, permite o recurso a um pórtico de menor alcance da lança, para operar os contentores mais a ré (a chaminé está confinada a BB do navio).

A opção pelo metanol verde também é disruptiva no sector do transporte marítimo de carga contentorizada. Quer a CMA-CGM quer a Hapag-Lloyd tinham optado pelo LNG como fonte de propulsão. A MSC apostou no recurso a scrubbers para o HFO e combustíveis com baixo teor de enxofre (MDO). A Maersk considera que ainda é cedo para definir o novo paradigma energético, pelo que é prematuro avançar com encomendas em série em estaleiro quando não é claro qual a fonte energética do futuro. O LNG será necessariamente uma fonte energética de transição. Como alternativa, aposta no metanol verde, a título experimental, nas nove encomendas efectuadas (oito navios de 16.000 TEU e um navio “feeder”).

O metanol verde é biodegradável (o que se torna muito importante em caso de poluição marinha), tem 0% de emissões de enxofre e de nitrogénio e reduz substancialmente as emissões de CO2 relativamente ao diesel convencional (que apresenta um teor de 0,5% SOx). O custo de conversão para o metanol, é muito mais baixo do que para o LNG. Como limitações, apresenta a necessidade de maior área de tancagem/armazenamento (a sua eficiência energética é menor), um baixo ponto de ignição e uma elevada toxicidade. É igualmente corrosivo a nível dos encanamentos, tanques de combustível e máquina do navio.

X-Press Feeders segue a aposta da Maersk no design e na opção pelo Metanol

Após o anúncio da encomenda dos navios de 16.000 TEU da Maersk, a “X-Press Feeders Group” (operador marítimo especializado nos tráfegos “feeder”), anunciou igualmente a encomenda de 16 navios de 1.170 TEU movidos a metanol (dual-fuel). Apesar de ser ainda prematuro tirar conclusões, parece-nos claro que, quer nível de design, quer a nível de ritmos de carga/descarga, quer a nível da propulsão, as novas encomendas da Maersk serão a norma para o futuro.

A MSC está a poucos dias de se vir a assumir como o maior operador marítimo mundial de carga contentorizada (falta apenas a aquisição/fretamento de um navio de 11.000 TEU para tal suceder). A Maersk Line continuará a ser dominante na inovação e na definição das tendências futuras no mercado do transporte marítimo de carga contentorizada.

Fernando Cruz Gonçalves

Especialista em Administração e Gestão – Economia Marítima-Portuária (ENIDH/ Escola Naval/ ISCIA), Mestre em Maritime Management and Transport Economics (ITMMA – Universidade Antuérpia), MBA em Gestão Logística (IST/ISCTE/EGP), Licenciado em Gestão e Tecnologias Marítimas (ENIDH), Licenciado em Administração e Gestão Marítima (ENIDH), Bacharel em Pilotagem (ENIDH).

Oficial da Marinha Mercante, é/foi Coordenador da licenciatura em Gestão Portuária, Coordenador da licenciatura em Gestão de Transportes e Logística e Coordenador do Mestrado em Gestão Portuária da ENIDH. Professor do Departamento de Transportes e Logística.

Consultor em Transportes, Portos e Logística em diversos projectos e estudos realizados no âmbito empresarial e de programas co-financiados pela Comissão Europeia.

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