Jornal Transportes & Negócios - Ever Ace (Evergreen)

Ever Ace (Evergreen) – O maior navio porta-contentores do Mundo

Figura 1 – O “Ever Ace” na sua viagem inaugural

O “Ever Ace”, do Operador Marítimo Evergreen (Taiwan), tornou-se no maior navio porta-contentores do mundo.

Com uma capacidade de 23.996 TEU, destronou os navios da Classe Algeciras da HMM – Hyundai Merchant Marine (Coreia do Sul), que apresentam uma capacidade de carga de 23.964 TEU.

Naturalmente, falamos de capacidades teóricas, em função de “slots” (espaços de carga) disponíveis e não da capacidade efectiva. Esse recorde continua na posse da CMA-CGM (França) que, em Abril de 2021, transportou 21.433 TEU a bordo do navio “Jacques Sadée”.

O “Ever Ace” trata-se do primeiro de seis navios da Evergreen a serem entregues pelos estaleiros da Samsung Heavy Industries entre 2021 e 2022. Trata-se de navios Megamax24 (MGX24), que transportam 24 fileiras de contentores lado-a-lado. A sua propulsão é assegurada por um único motor convencional Diesel de 11 cilindros, projectado para operar a uma velocidade comercial de 22,5 nós.

O navio, em termos de inovação, caracteriza-se pela proa vertical achatada, sem bolbo, assemelhando-se ao design dos tradicionais navios superpetroleiros.

Figura 2 – Proa vertical achatada do “EVER ACE”

O formato “U-shaped” tem cada vez mais sido utilizado em detrimento do tradicional formato “V-shaped”, permitindo ganhos hidrodinâmicos e, em especial, aumento da capacidade de carga através do reaproveitamento de “espaços mortos” associados ao design em V.

Mais uma vez, o aumento da capacidade de carga é conseguido por reformulação do design do navio. não havendo significativa alteração das suas dimensões principais. O “comprimento fora-a-fora” manteve-se estabilizado nos 400 metros e a boca (largura) nos 62 metros.

A título de exemplo, os primeiros “Triple E” da Maersk, um navio revolucionário de 2013, com 18.000 TEU de capacidade, já apresentavam um “comprimento fora-a-fora” de aproximadamente 400 metros e uma boca de 60 metros. Em oito anos, conseguimos aumentar 6.000 TEU na capacidade de um navio porta-contentores, não alterando o seu comprimento, apenas aumentando em 2 metros a sua boca e aumentando ligeiramente o seu calado.

O navio vai ser integrado na Rota do “Far-East” (rota pendular Ásia/Europa) e a Evergreen tem a expectativa de vir a recorrer a 12 navios similares, de 24.000 TEU, para assegurar esta Rota Marítima, substituindo os tradicionais navios de 14.000 TEU utilizados até agora.

Até aqui este artigo nada teria de relevante. Trata-se de uma mera colectânea de informação relativa à inovação e evolução da dimensão dos navios. No entanto, julgamos que o nome “Ever” traz ao leitor recentes más memórias.

Sim, foi um navio da Evergreen, o “Ever Given”, de 20.000 TEU, que se atravessou, encalhando, na travessia do Canal do Suez há apenas 4 meses, interrompendo o Comércio Internacional durante seis dias (de 23 a 29 de Março de 2021).

A “Lloyds List” avaliou em 7,9 mil milhões de dólares o custo diário do bloqueio do Canal do Suez, mas estes cálculos apenas consideravam os custos de depreciação financeira das mercadorias, não considerando a valorização monetária da sincronização dos sistemas logísticos a montante e jusante do Canal do Suez. Lembramos que o problema determinante em termos logísticos não é o “transit-time” mas a variabilidade do prazo de entrega.

Ainda hoje, passados 4 meses, o mercado não conseguiu recuperar do “cascade effect” associado ao bloqueio do Canal do Suez, sendo ainda uma das razões apontadas para o congestionamento portuário a assimetria no posicionamento de contentores vazios e o comportamento atípico do mercado de fretes (anormalmente elevados).

O “Ever Ace” prepara-se, à semelhança do “Ever Given”, para proceder à travessia do Canal do Suez. Saiu de Quingdao (China) no dia 29 de Julho, escalou Hongquiao no dia 1 de Agosto, Ningbo no dia 3, Taipei (Taiwan) no dia 8, Yantian (China) no dia 11 e segue em direcção aos principais portos do Norte da Europa.

A travessia do Suez não é um um perigo para o “Ever Ace”. Neste momento, o navio cala cerca de 14,1 metros (informação AIS de 15 de Agosto de 2021).

Para além das questões operacionais, importa reflectir sobre os resultados financeiros dos principais Operadores Marítimos. No caso da Evergreen, foram publicados os resultados do 1.º Semestre de 2021 e salienta-se que as receitas da Evergreen atingiram os 6,8 mil milhões de dólares, traduzindo-se num lucro operacional de 3,2 mil milhões de dólares (EBIT = 48%).

EBIT vs. Receitas dos Operadores Marítimos Carga Contentorizada

(1.º Semestre 2021)

Poderemos questionar se seria justificável a “maratona negocial” (3 meses) travada pela Evergreen com a ACS – Autoridade do Canal do Suez, que se traduziu na redução da indemnização a pagar de um valor original de cerca de 900 milhões de dólares para um valor residual (não divulgado) e a aquisição de um reboque adicional para o Canal do Suez.

O encalhe do “Ever Given” no Canal do Suez, trata-se de uma externalidade negativa associada ao transporte marítimo, cuja valorização monetária ascende, pelo menos, a 47 mil milhões de dólares.

Não vemos razões para comemorar o lançamento do “Ever Ace”. À semelhança do que estranhamente aconteceu durante o encalhe do “Ever Given”, o silêncio é de ouro. Trata-se de um dos momentos mais negros da indústria do transporte marítimo.

Na prática, um agente económico (Evergreen), de forma involuntária, no exercício da sua actividade (transporte marítimo), causa um prejuízo sobre outros agentes económicos (a sociedade como um todo) e não paga uma compensação pelos prejuízos que causou. Trata-se objectivamente da definição de externalidade negativa associada ao transporte marítimo.

Estereótipos associados ao país de origem, o Egipto, levaram à condenação mundial da postura e resposta da ACS perante esta situação de emergência.

A detenção do navio e da tripulação sem fundamento legal, a tentativa de culpabilização do Comandante do “Ever Given” pelo sucedido, a utilização inicial de meios obsoletos na operação de resgate (quem não se lembra da mais célebre retroescavadora do mundo, que sozinha ia desencalhar o “Ever Given”?), contribuíram para a reprovação geral da ACS.

Mais a frio, temos que repensar a nossa análise e avaliar de quem é a culpa real do encalhe. Será das falhas a nível operacional, quer dos meios humanos quer dos meios técnicos, quer do lado do navio quer do lado da ACS, ou será de toda uma indústria do “shipping” que pretende aproveitar, no limite, todos os benefícios económicos associados às economias de escala? Perdemos a percepção global do problema. A árvore não pode esconder a floresta. Então de quem é a culpa?

– Dos clientes finais das mercadorias que, do preço final dos produtos, apenas uma ínfima percentagem dos custos está associada ao transporte marítimo?

– Dos Carregadores que durante anos a fio aproveitaram os fretes marítimos ao “preço da chuva”, nunca procurando reflectir sobre as reais causas dos fretes excessivamente baixos?

– Dos Operadores Marítimos preocupados em conseguir economias de escala, para ser competitivos, negligenciando os perigos associados?

– Dos Reguladores de Mercado que foram sucessivamente aprovando os processos de consolidação no mercado do transporte marítimo?

– Ou da própria IMO – Organização Marítima Mundial, que cada vez mais se tem assumido como um organismo com pouco poder no seio das Nações Unidas?

Fica para reflexão. Na nossa opinião, todos somos culpados do que aconteceu. Mais culpados seremos se nada for feito. A segurança das infraestruturas marítimo-portuárias não é compaginável com o normal funcionamento dos mecanismos de mercado.

Mais, se pretendemos um mercado socialmente eficiente, é imperativo não existir poder de mercado, internalizar no mercado todas as externalidades, bem como uma justa distribuição dos votos monetários, aproximando cada vez mais o preço pago (frete marítimo), do custo real da deslocação.

Não vemos razões para comemorar o lançamento do “Ever Ace”. À semelhança do que estranhamente aconteceu durante o encalhe do “Ever Given”, o silêncio é de ouro. Trata-se de um dos momentos mais negros da indústria do transporte marítimo.

FERNANDO CRUZ GONÇALVES

 

Professor na ENIDH

 

 

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