Uma nova proposta para o Porto de Lisboa

 

Não seria altura de reconhecermos a importância económica e social dos terminais de contentores para a região de Lisboa? Como iremos abastecer um hinterland de 4,2 milhões de pessoas? Será viável e economicamente sustentável o abastecimento a partir de Setúbal e/ou Sines? Aquisição da Hapag-Lloyd – “Hamburg Solution” Continua a “novela” associada à aquisição da Hapag Lloyd, quinto maior operador marítimo mundial de carga contentorizada, pelo consórcio Alemão “Albert Balin”. Após o anúncio público da venda da Happag Lloyd (propriedade do Grupo TUI – Gigante Mundial do Sector do Turismo) ao consórcio Alemão “Albert Ballin” por cerca de 4,45 biliões de euros, assistimos agora a uma renegociação das condições de aquisição por dificuldades no acesso ao crédito do consórcio comprador. Embora a sua nova estratégia passe pela especialização no seu core business – Turismo, o Grupo TUI para viabilizar esta operação financeira concordou em recomprar 43% da Happag Lloyd, mantendo-se na prática o maior accionista da empresa. Este facto não deixa de ser curioso, quando anteriormente foi recusada uma proposta de aquisição em condições potencialmente mais vantajosas por parte do operador marítimo NOL – Singapura. As sinergias entre estes dois operadores eram evidentes e, caso se tivesse concretizado esta aquisição, estaríamos a falar da constituição do 3.º maior operador marítimo mundial de carga contentorizada. O que terá levado o Grupo TUI a preferir a proposta do consórcio “Albert Balin” em detrimento da proposta apresentada pela NOL-Singapura? A resposta é simples. Questões de natureza política e estratégia nacional. O consórcio “Albert Ballin” é constituído pelo operador logístico Kuehne&Nagel, por instituições financeiras/seguradoras e pela autoridade municipal da cidade de Hamburgo. Sim, o município de Hamburgo pretende investir 484 milhões de euros na aquisição da Happag Lloyd. É, aliás, o principal investidor nesta operação financeira que ficou por isso conhecida pela designação de “Hamburg Solution”. O porto de Hamburgo é um dos maiores portos europeus e as autoridades municipais recearam que a aquisição da Hapag Lloyd pela NOL pudesse conduzir à transferência da operação portuária deste operador para o porto de Roterdão, porto com o qual a NOL tem relações preferenciais. Na nota explicativa do seu envolvimento neste negócio, as autoridades municipais lembram que o porto de Hamburgo é um dos maiores empregadores da cidade, assumindo-se como o “motor” do desenvolvimento socioeconómico de toda a região. Uma nova Proposta para o Porto de Lisboa Considerando o comportamento do município da cidade de Hamburgo, não seria altura de reconhecermos a importância económica e social dos terminais de contentores para a região de Lisboa? Poderá Lisboa dar-se ao luxo de limitar as possibilidades de expansão do seu único terminal portuário apto a receber navios de grande porte? Como iremos abastecer um hinterland de 4,2 milhões de pessoas? Será viável e economicamente sustentável o abastecimento a partir de Setúbal e/ou Sines? Não sendo consensual o projecto de expansão do Terminal da Liscont e assumindo a necessidade de um terminal de “deep sea” no porto de Lisboa, importa analisar a viabilidade das alternativas possíveis: - A solução há muito tempo falada e discutida do “fecho” da Golada da Trafaria, embora apresente algumas virtualidades (evitaria a necessidade do permanente reposicionamento de areias nas praias da Costa da Caparica), tem um impacto ambiental significativo; - Qualquer terminal projectado para a zona de Algés/Cruz Quebrada tem fortes limitações associadas à dificuldade de aguentar os navios ao cais com vento e ondulação SW (vide exemplo da Doca de Pesca); - Um terminal na margem sul (zona Ocidental) implicaria uma forte intervenção a nível de infraestruturas rodo-ferroviárias de acesso numa zona natural protegida, para além de ter implicações em terminais portuários estratégicos em termos de defesa nacional; Qual a solução para este problema? Será que depois de termos “estrangulado” o Porto de Lisboa a Oriente (Urbanização da Expo), pretendemos agora completar a sua agonia a Ocidente? Na nossa opinião existe uma zona potencialmente interessante para a construção de uma infraestrutura portuária de grande dimensão que permitiria dar resposta às necessidades futuras do porto de Lisboa, compatibilizando simultaneamente a necessária articulação entre a vivência cidade/porto. A zona do baixo da “Boca do Aperta ou Araçais” entre a Cala do Samora e o Montijo, que frequentemente fica em “seco” no baixa-mar, tem virtualidades únicas para a construção de uma infraestrutura portuária. A Cala de Samora é direita e estável e permitiria construir sobre a actual batimétrica dos 9/10 metros um cais de grande extensão. As dragagens necessárias para que a bacia de manobra garantisse 12/13 metros ao zero hidrográfico (o que permitiria a entrada e manobra de navios de grande porte) permitiriam a deposição de areias para o aterro do baixo. Esta localização encontra-se perfeitamente articulada em termos de acessibilidades rodo-ferroviárias com a terceira travessia do Tejo, com a Ponte Vasco da Gama e com o futuro aeroporto de Lisboa (Alcochete). Seria igualmente possível desenvolver o tráfego fluvial com as plataformas logísticas previstas no âmbito do projecto “Portugal Logístico”. Trata-se de mais uma variável a equacionar e a justificar estudos mais aprofundados, nomeadamente a nível de impacto ambiental. Tradicionalmente estas decisões são sempre de natureza política, consubstanciadas em estudos elaborados por consultores que nunca entraram a bordo de um navio (que sistematicamente designam por barco). Talvez seja altura de dar voz aos operacionais que conhecem o porto como a “palma das suas mãos” e que todos os dias garantem a manobra de navios e a segurança e operacionalidade do porto de Lisboa.

Fernando Cruz Gonçalves (Professor da ENIDH - Escola Superior Náutica Infante D. Henrique)

Enviar um comentário

0 Comentários