A ETERNA DISCUSSÃO DA DISTORÇÃO DAS
CONDIÇÕES DE CONCORRÊNCIA ENTRE MODOS DE TRANSPORTE Em todas as Conferências realizadas a nível do sector dos
transportes, somos permanentemente confrontados com a eterna questão da
existência ou não de distorção nas condições de concorrência no Mercado dos
Transportes. Perante esta questão, por um lado surge o dinâmico meio
empresarial, proclamando as virtudes da livre concorrência e da não intervenção
do Estado no mercado dos transportes, terminando invariavelmente com a
afirmação: “Deixem-nos trabalhar, que os mecanismos de mercado decidirão qual a
melhor repartição modal para satisfazer as necessidades dos clientes de um
serviço de transporte.” Por outro lado, timidamente, surgem os defensores da
intervenção e regulação do Estado, para alcançar o ideal da eficiência
económica, alavancando desta forma o crescimento económico e contribuindo para
garantir padrões de mobilidade sustentáveis que permitam a prossecução do
desenvolvimento sustentado. Sinceramente, ninguém toma muito a sério esta
segunda corrente de pensamento, defendida por “pseudo-intelectuais”, fechados
nos seus gabinetes, que não têm nenhum conhecimento da realidade do sector dos
transportes… Outros ainda pretendem reduzir esta questão a uma mera questão
ideológica, entre a filosofia ideológica de Direita (livre concorrência) vs.
filosofia ideológica de Esquerda (regulação do Estado). Reconheço que sempre
tive alguma dificuldade na compreensão de toda esta celeuma em torno desta
questão, visto que se resume na prática à compreensão de princípios básicos e
estruturantes da Ciência Económica que são ministrados nos primeiros anos de qualquer
Licenciatura em Economia/Gestão. Importa pois reflectir seriamente em questões
como o “problema económico”, a eficiência económica do mercado dos transportes,
as externalidades associadas à prestação de um serviço de transporte, as
elasticidades dos transportes, o custo social marginal e o custo privado
marginal de uma deslocação, bem como a potencial existência de situações de
deseconomia externa no mercado dos transportes. Eficiência Económica O
problema central da ciência económica é conseguir a optimização na utilização
dos recursos que são escassos, para a satisfação das necessidades humanas que
são ilimitadas, visando a maximização do bem-estar da sociedade. Para alcnçar
este desiderato, citando Sanuelsom/Nourdhaus[1], os mercados económicos devem satisfazer cumulativamente três
importantes condições para serem considerados como socialmente óptimos: Em
primeiro lugar, não pode existir concorrência imperfeita, o que significa que
os produtores individuais não podem influenciar o preço do produto; Segundo,
não pode não haver externalidades em que uma empresa, embora de uma forma
involuntária, impõe um custo social (ou causa um benefício) sem que a entidade
afectada seja compensada (ou pague uma compensação); Finalmente, para que o
resultado concorrencial seja óptimo, a distribuição dos votos monetários tem de
corresponder aos conceitos de justiça da sociedade. Ou seja, em termos
económicos, o princípio básico da eficiência económica é o seguinte: Preço (P)
= Custo Social Marginal (CSM) Em concorrência perfeita e sem falhas de mercado,
o custo social marginal é igual ao custo privado marginal, pelo que os
mecanismos do mercado conseguirão extrair tantos bens e serviços quanto os
recursos disponíveis o permitam. Mas, o mercado nem sempre atinge este ideal de
eficiência, surgindo perversões como as práticas monopolísticas, a poluição ou
falhas de mercado semelhantes, que determinam que o custo social marginal se
diferencie do custo privado marginal determinando uma redução na eficiência da
afectação de recursos. Um leitor menos atento aos aos princípios básicos da
ciência económica, poderá questionar quais são as componentes dos custos
privados marginais. Os custos privados marginais são essencialmente os custos
monetários de produção. Nos transportes, os custos privados marginais incluem
também a valorização monetária do tempo despendido na realização da deslocação.
Importa no entanto salientar que estes custos são internalizados pelos
mecanismos de mercado, pelo que não determinam uma redução da eficiência na
afectação dos recursos. Existem no entanto outros custos (custos externos), que
não são internalizados pelos mecanismos de mercado, mas que devem ser
considerados em combinação com os custos privados na determinação dos custos
sociais totais de uma deslocação. Exemplos desta situação são os custos de
fornecimento e utilização das infraestruturas de transporte (nomeadamente a
parte dos custos não recuperada por intermédio de taxas) e a valorização
monetária dos custos externos associados à actividade de transporte
(nomeadamente, o congestionamento, as emissões poluentes, as alterações
climáticas, os acidentes, o ruído, as vibrações e a intrusão visual). Neste
sentido, uma externalidade é uma influência no comportamento de um agente
económico no bem estar de outro agente económico, sem que essa influência seja
reflectida nas transacções monetárias ou de mercado, assumindo-se assim como um
obstáculo à promoção dos princípios de eficiência, de equidade e ainda do
crescimento macroeconómico e estabilização da economia. Quando os preços de
mercado não reflectem as situações de escassez existentes (ar puro, capacidade
de absorção do ambiente, infraestruturas, etc.), a combinação das decisões
individuais de produtores e consumidores deixa de produzir benefícios máximos
para a sociedade em geral. Assim, as externalidades negativas conduzem a uma
situação de deseconomia externa, que se traduz num excesso de produção/consumo
do bem/serviço que dá origem a essa deseconomia, visto o seu preço de mercado
não reflectir o seu custo social marginal. Ao estabelecer a analogia para o
sector dos transportes, verificamos que as tarifas do transporte em geral, e do
rodoviário em particular, não reflectem a totalidade dos custos sociais, daí
resultando uma procura artificialmente geradora de uma concorrência que é
prejudicial aos modos de transporte marítimo e ferroviário, mais respeitadores
do ambiente e menos sujeitos a problemas de congestionamento. Posição dos Transportadores Rodoviários de
Mercadorias Os transportadores rodoviários alegam em sua
defesa que a indústria transportadora se encontra ao serviço da sociedade,
criando externalidades positivas visto estimularem a produtividade e o
crescimento económico. Estes benefícios económicos no entanto são de carácter
interno do ponto de vista do utente e não podem portanto ser considerados como
externalidades. A maior parte dos dados científicos sugerem que: “…nas
economias industriais modernas, o aumento da eficiência dos transportes se
reflecte geralmente num decréscimo dos respectivos custos; esses efeitos são
internos, e não externos, em relação aos mecanismos de mercado” (COM(95) 691
final). Como reduzir as Externalidades dos Transportes? Para
combater a ineficiência associada às externalidades dos transportes, podemos
recorrer às seguintes abordagens: Regulamentação directa - corresponde à
abordagem clássica para redução das externalidades sem recorrer ao mecanismo
dos preços para modificar os comportamentos em matéria de transportes. Esta
abordagem consiste, por exemplo, em estabelecer normas técnicas aplicáveis aos
produtos que reduzam as consequências ambientais dos transportes (princípios da
precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos
danos causados ao ambiente). Instrumentos de mercado: - Formação dos preços -
visam assegurar que os preços pagos pelos utentes reflictam melhor os custos
sociais totais; este objectivo poderá ser atingido internalizando os custos
externos, ou seja, imputando-os aos utentes; - Taxas por emissões poluentes –
obrigam as empresas a pagar um imposto pela poluição que geram, imposto que
deve ser de igual valor ao dano provocado no exterior; - Autorizações para poluir
negociáveis - neste caso, o governo determina o nível de emissões poluentes e
atribui o adequado número de licenças. O preço das autorizações, que representa
o nível da taxa pela poluição, é então fixado pela oferta e pela procura no
mercado de autorizações (Mecanismos Flexíveis – Protocolo de Quioto). Estratégia Comunitária para o Sector dos
Transportes As políticas de transporte – da União
Europeia, como dos Estados-Membros – têm-se baseado até á data e em grande
medida, numa regulamentação directa destinada a aumentar a segurança dos
transportes e a reduzir os efeitos nocivos para o ambiente, ao passo que o
recurso a instrumentos económicos tem sido muito limitado. Os transportadores
rodoviários alegam que poderá ser questionável a eficiência do recurso a
instrumentos económicos para alterar os actuais padrões e tendências de
mobilidade a nível da União Europeia, de acordo com os estudo clássicos que
consideram a procura praticamente inelástica neste sector. No entanto, dados
recentes relativos às elasticidades nos transportes sugerem que a sensibilidade
às variações de preço é muito superior ao que se julgava: “Na realidade, a
concorrência entre modos de transporte, itinerários ou empresas dá origem a uma
vasta gama de elasticidades-preço, e a elasticidade é geralmente muito maior do
que sugere o pensamento clássico, especialmente a longo prazo”. Ciente que a
política tradicional de regulamentação directa não assegura a viabilidade dos
sistemas de transporte a prazo, a Comissão Europeia propõe a adopção de
instrumentos de mercado, nomeadamente a formação de preços, visando assegurar
que o preço pago pelos utentes reflicta os custos sociais totais das suas
deslocações. No Livro Branco “Política Europeia de Transportes no Horizonte
2010: A Hora das Opções”, a Comissão Europeia reitera a sua posição assumindo
de forma clara que o dinamismo de certos modos de transporte é reflexo não só
de uma melhor adaptação às necessidades da economia moderna, mas também da não
inclusão de todos os custos externos no preço de transporte e do incumprimento
de certas regulamentações sociais e de segurança, nomeadamente no sector dos
transportes rodoviários (deseconomia externa). Para aumentar a eficiência
técnica dos diversos modos de transporte, criar condições para a concorrência
leal entre os diferentes modos de transportes e no seio de cada um deles,
reduzir substancialmente os custos ambientais e assegurar a viabilidade a longo
prazo do sistema de transportes, a Comissão propõe o princípio da tarifação de
acordo com o “custo social marginal”. Os custos sociais marginais são os custos
variáveis que reflectem os custos de cada veículo ou unidade adicional de
transporte que utiliza uma infraestrutura, devendo reflectir os danos causados
às infraestruturas e os custos resultantes do congestionamento e das emissões
poluentes, variando em função de factores como a unidade de peso ou o número de
eixos, as horas de ponta, os percursos urbanos e as emissões dos motores
(COM(98) 466 final). Conclusão – Distorção das Condições de Concorrência
no Mercado dos Transportes Ao analisarmos todos os
princípios básicos e estruturantes da Ciência Económica, é perfeitamente
perceptível que seguindo as actuais tendências e padrões de crescimento
associadas ao mercado dos transportes, estamos muito longe de alcançar o
objectivo da eficiência económica, que se traduz na optimização na utilização
dos recursos que são escassos, para a satisfação da necessidade humana de
mobilidade de pessoas e mercadorias. Mais, podemos estar perante uma situação de
deseconomia externa, que se traduz num excesso de produção/consumo do
bem/serviço que dá origem a essa deseconomia (transporte rodoviário de
mercadorias), visto o seu preço de mercado não reflectir o seu custo social
marginal. Nesse sentido, não fazem sentido afirmações do tipo “…deixem o
mercado funcionar…”, pois os mecanismos de mercado não conseguem dar resposta
(internalizar) todos os custos externos associados à prestação de um serviço de
transporte. Se algumas dúvidas ainda restassem, é clara a assumpção por parte
da Comissão Europeia da existência de distorção das condições de concorrência a
nível do mercado dos transportes, prejudicando os modos de transporte marítimo
e ferroviário, mais respeitadores do ambiente e menos sujeitos a problemas de
congestionamento. Para finalizar, estou sinceramente “farto” de estar ao lado
dos “pseudo-intelectuais”… * Professor da Escola Náutica Infante D. Henrique
(ENIDH) [1] Samuelson/Nordhaus, “Economia”, Ed. Mc Graw Hill, 1999;
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